Impactos do Uso do Espaço Subterrâneo das Cidades

Gisleine Coelho de Campos – Daniel Seabra Nogueira Alves Albarelli – Wilson Shoji Iyomasa – Felipe Schaeffer Santos – Paula Sayuri Tanabe Nishijima

Nas grandes metrópoles a ocupação do espaço territorial urbano é um tema que vem sendo abordado há algumas décadas sob diferentes aspectos: da legislação defi ciente; da falta de mapa das redes subterrâneas existentes (água, esgoto, gás, energia, internet, passagens viárias, sistema metroviário, “piscinões”, estacionamentos, etc.); da ausência de diretrizes técnicas e também de normas para ocupação (Campos et al., 2006). Destaca-se que a ocupação é muito dinâmica e passível
de confl itos e, por isso, precisa ser regida por regulamentação específica, normalização e fiscalização efetiva para que resulte em benefício à sociedade.
Particularmente no caso de empreendimentos subterrâneos de grandes cidades, como obras viárias e metroviárias, as definições técnicas que fazem parte do projeto executivo, da construção, da operação e da manutenção são complexas não apenas devido às exigências específicas das obras, mas dependem sobretudo do tipo de ocupação urbana já existente na superfície, da necessidade em preservar o meio ambiente e da eventual ocorrência de patrimônios históricos, como os sítios
arqueológicos. Além disso, estão condicionadas às características topográficas, geológicas e geotécnicas do subsolo.
A interface do sistema subterrâneo com o meio urbano superficial é importante e deve ser cuidadosamente planejada, dimensionada e inserida na funcionalidade do local. Essa observação serve não apenas para obras metroviárias ou viárias, mas também para instalações de redes e obras de infraestrutura básica (água, esgoto, cruzamento de vias), muito comum em cidades de porte médio e até de cidades pequenas.
Nas últimas décadas, com o surgimento dos conceitos de cidades inteligentes e resilientes, o uso e ocupação do espaço subterrâneo ganhou especial importância e atenção, pois com as cidades cada vez mais populosas, o aproveitamento planejado e sustentável dos espaços urbanos passou a ser uma necessidade, de forma a se ter a superfície do terreno ocupada com habitações e dedicada à vivência das populações.

Segundo a ITA – International Tunneling and Underground Space Association (2023), até o ano de 2100, o crescimento das populações se concentrará nas áreas urbanas e zonas costeiras e, como consequência, grande parte sofrerá com as inundações em decorrência da redução da capacidade de absorção de águas pelo solo. As mudanças climáticas contribuem
para o agravamento dos eventos de inundações e, também, estimulam novas formas de ocupação do espaço subterrâneo em especial nas regiões de temperaturas mais extremas.
Há que se destacar ainda as limitações de espaço em superfície nos centros urbanos e os grandes benefícios já observados nas cidades mais compactas, onde os locais de trabalho, residência e lazer se situam próximos. Até nas áreas rurais iniciaram-se as ocupações do subterrâneo para estocagem de insumos e produtos para maior eficiência de suas produções.

Quadro 1 – Benefícios do uso do espaço subterrâneo (adaptado de Rodrigues, 2009).

Neste cenário de mudanças climáticas e de crescimento populacional observam-se, nas metrópoles brasileiras, tendência global de investimentos em obras de infraestrutura e de soluções de mobilidade ocupando o espaço subterrâneo. No entanto, ainda há carência de legislações específicas que direcionem a ocupação ordenada e o registro das interferências no espaço subterrâneo, bem como orientem os profissionais de geologia, engenharia e demais profissões correlacionadas na definição dos critérios mínimos de investigação do subsolo e de monitoramento das estruturas em superfície. Esses tópicos precisam ser objeto de discussão com toda a sociedade, direta e indiretamente afetada pelas obras, para que soluções inovadoras sejam viabilizadas e que os riscos a elas associados sejam aceitáveis e  facilmente gerenciáveis. Fica como sugestão a inserção de um capítulo sobre o tema nos Planos Diretores Municipais.
É importante frisar que todas as obras civis possuem um certo grau de risco: maior ou menor, que depende do projeto executivo, do modo de execução, da caracterização detalhada do subsolo, etc.
Especificamente para obras subterrâneas há tecnologias e formas de controle que permitem reduzir a probabilidade de danos nas edificações de superfície e de perdas humanas.
Vantagens do uso do espaço subterrâneo – Dentre diversos estudos sobre o uso do subterrâneo das cidades, Rodrigues, em 2009, sumarizou os principais benefícios da ocupação do espaço (Quadro 1), tendo concluído que há benefícios para a humanidade, por exemplo, o desempenho térmico propiciado pela massa de solo, que garante maior estabilidade da temperatura ambiente, seja no verão ou no inverno, maior preservação ambiental dos recursos de superfície, como água, paisagem natural, entre outros.

Desafios de projeto de obras subterrâneas – O projeto de obras subterrâneas comumente esbarra na ausência ou insuficiência de dados que permitam a elaboração de um modelo geológico-geotécnico do terreno. A realização das sondagens convencionais nem sempre é suficiente para mapear bolsões de solos moles, zonas de menor resistência dos maciços, presença de vazios, entre outras ocorrências; outras vezes a execução é inviabilizada por restrições de acesso devido a presença em superfície de imóveis e vias públicas. A despeito da disponibilidade de novas tecnologias de ensaios, destrutivos e não-destrutivos, por vezes não são empregados devido às restrições contratuais, como recursos limitados e prazos exíguos.
Segundo Ornelas et al. (2018), para que um empreendimento tenha sucesso é necessário um contrato específico que contemple e garanta os interesses dos proprietários, construtores ou consórcios, e proporcione uma obra com qualidade e segurança, melhores custo benefícios, prazos e garantias adequadas, mas que seja flexível para distribuir de forma mais equitativa os riscos da construção subterrânea.
Outro desafio diz respeito ao impacto que as obras subterrâneas de porte grande ou pequeno podem causar nas construções lindeiras, devido às movimentações no terreno. Durante as escavações, as tensões naturais no maciço de solo/rocha são redistribuídas, o que induz deslocamentos do subsolo tanto em profundidade quanto em superfície. Para estimar o nível de dano previsto nas edificações, modelos teóricos são realizados com simulações numéricas antes do início das escavações, de forma a possibilitar os ajustes necessários no projeto ou no processo de execução. Por mais bem elaborado e complexo que sejam, os modelos não permitem incorporar todas as nuances encontradas no terreno a ser escavado e por isso a instrumentação geotécnica in-situ se faz imprescindível durante as escavações. Para isso, utilizam-se diversos instrumentos tradicionais, como por exemplo: marcos superficiais, tassômetros, pinos de recalque e inclinômetros, com valores de referência de deslocamentos que indicam a “saúde” do terreno, tanto em termos de risco de instabilidade e ruptura do maciço quanto de danos estruturais às edificações da superfície. Infelizmente, nas últimas décadas, tem-se presenciado um papel secundário da
instrumentação, com quantidade reduzida de instrumentos e com estudos defi cientes de previsões do comportamento do subsolo, muitas vezes com dados avaliados isoladamente, ou seja, sem considerar o contexto de escavações pretéritas e análise integrada com outros instrumentos na obra.
Como exemplo desse problema específico da análise pontual é a desconsideração da tendência das leituras dos deslocamentos ao longo do tempo, ainda que pequena e dentro dos limites estabelecidos como seguros.
Interação das obras subterrâneas com as cidades – Em muitas cidades do Brasil a ocupação do subterrâneo vem sendo feita sem um
planejamento e controle específicos; sem a participação e mediação do poder público ou com interesses privados que prevalecem em detrimento de um crescimento organizado e pautado no conceito de sustentabilidade. Portanto, há a necessidade de uma legislação específica e organizada, que forneça as diretrizes básicas para obras subterrâneas e estabeleça critérios para responsabilidades de eventuais colapsos ou impactos decorrentes de intervenções no subsolo.
Segundo Campos et al. (2006), para o ordenamento das obras na cidade de São Paulo, é necessário que o Poder Público estabeleça no Plano Diretor as obras subterrâneas, como já implementado em outras cidades, principalmente de países desenvolvidos.
Nesse sentido, as políticas públicas dos municípios e, principalmente das metrópoles, devem estar alinhadas às necessidades com o ordenamento da ocupação territorial sustentável. O cadastramento de interferências subterrâneas se faz necessário num contexto onde a densidade de infraestruturas instaladas é relevante. Em metrópoles como o município de São Paulo, a evolução do cadastramento sistemático de interferências subterrâneas teve seus primeiros esboços com a criação da plataforma Geoinfra, instituída pelo Decreto Nº 59.108, de 26 de novembro de 2019. Esta plataforma tem por objetivo regularizar a realização de obras para implantação, instalação e manutenção de infraestrutura urbana no subsolo, nas vias e no espaço aéreo público. A disponibilização dessas informações ao público em geral se dá por meio do mapa interativo hospedado na plataforma Geosampa.
No entanto, percebe-se que a plataforma, ainda em evolução, requer aprimoramento, sobretudo de informações atualizadas de construções de grande porte, como as viárias e as metroviárias e obras associadas, e de redes de obras abandonadas. Além disso, nas plataformas de consulta aos projetos e manutenções existentes, notou-se a carência da integração de informações entre redes de  infraestruturas  pertencentes aos diferentes poderes instituídos (federal, estadual e municipal) e as particulares (entidades privadas), como obras públicas e fundações de prédios de condomínios.
Em suma, ainda há um longo caminho a ser percorrido no cenário brasileiro para melhoria do uso e gestão do espaço subterrâneo.
Por outro lado, abre-se uma janela de oportunidades para que as novas tecnologias e inovações como a inteligência artificial e big data sejam aliadas ao clássico conhecimento técnico-acadêmico na resolução dos desafios de infraestrutura do subsolo do Brasil. 

Referências Bibliográficas
Campos, G.C., Iyomasa, W.S., Santos, A.J.G., Martins, S.R.S., Menezes, M. O “invisível” espaço subterrâneo urbano. Revista São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 147-157, abr./jun. 2006.
ITA – International Tunneling and Underground Space Association. Urban Underground space for resiliente cities. ITA Working Group 20.
ITA Report nº 32, Abril 2023.
Ornelas, F.S, Moraes Filho, I.P., Milhomem, M.C., Vasconcelos, R.F. Práticas Contratuais em Obras Subterrâneas. In: XIX Congresso Brasileiro de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica, Geotecnia e Desenvolvimento Urbano, 2018.
Rodrigues, D.D. Urbanismo subterrâneo: argumentos éticos para o uso e a ocupação do solo. Tese de Doutorado em Arquitetura e Urbanismo. Universidade de Brasília, 2009.


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