Como os municípios podem promover edifícios de baixo carbono?

Fernanda Belizario Silva

O combate às mudanças climáticas é o maior desafio ambiental já enfrentado pela humanidade. Desde a Revolução Industrial, a temperatura média do planeta já aumentou em 1,1°C, o que tem levado a um desequilíbrio do clima, observado através do aumento da frequência e da intensidade de eventos climáticos extremos, tais como chuvas intensas, secas prolongadas, ciclones, entre outros.
Caso nada seja feito, o aumento da temperatura poderá chegar a 3°C até o final deste século, com consequências extremamente graves para a sociedade (IPCC, 2022).
Para limitar as mudanças climáticas a um nível ainda previsível, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) recomenda que o aquecimento global seja limitado a 1,5°C, o que por sua vez requer que as emissões líquidas de CO2 sejam reduzidas a zero até 2050 (IPCC, 2022). Isso significa que, no ano de 2050, todo o CO2 que for emitido para a atmosfera deve ser capaz de ser reabsorvido, resultando em um balanço nulo. Esta é a meta estabelecida no  acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário.
Ou seja, é necessário reduzir urgentemente as emissões de carbono de todas as atividades humanas.

A construção e o uso dos edifícios contribuem com aproximadamente 22% das emissões brasileiras de CO2 (SEEG, 2022) – vide Figura 1. Essa estimativa não considera o CO2 emitido pelo desmatamento, que é a nossa maior fonte de CO2 atualmente. Cerca de 50% das emissões estão associadas à produção de materiais de construção, tais como o cimento e o aço, cujos processos de fabricação consomem uma grande quantidade de combustíveis fósseis; no caso do cimento, há também as emissões da calcinação. Os outros 50% estão associados ao consumo de combustíveis durante o uso do edifício,
por exemplo gás natural para aquecimento de água e cocção, além da parcela da energia elétrica proveniente de combustíveis fósseis.
Portanto, reduzir a pegada de carbono dos edifícios é essencial para limitar o aquecimento global.
Figura 1 – Emissões de CO2 brasileiras por setor. Estima-se que 50% do aço seja destinado ao setor de construção. Dados de 2019, sem considerar emissões de CO2 do desmatamento (SEEG, 2022).

Figura 1

Além disso, empreendimentos imobiliários têm impactos ambientais indiretos, sobretudo associados à mobilidade. Por exemplo, condomínios localizados em áreas distantes dos centros urbanos aumentam a demanda por transporte e, consequentemente, aumentam as emissões de CO2, principalmente se esse transporte ocorrer em automóveis individuais.
Neste contexto, instrumentos como Planos Diretores, Leis de  Zoneamento e Códigos de Obras podem exercer um papel muito importante,
incentivando práticas que reduzam as emissões de CO2 dos edifícios, uma vez que é predominantemente na esfera municipal que se regulamenta a atividade edilícia. Além disso, 85% da população brasileira é urbana (IBGE, 2021), o que faz com que grande parte das emissões de CO2 ocorra nas cidades. Há inclusive cidades brasileiras que já elaboraram Planos de Ação Climática, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Curitiba, entre outras que estão em processo de elaboração
(ICLEI, 2020). Esses planos propõem estratégias para mitigar as mudanças climáticas nas cidades, inclusive para edifícios.
Diversas medidas já têm sido adotadas por diferentes países e cidades para reduzir as emissões de CO2 dos edifícios. Mais de 80 países possuem etiquetas de eficiência energética de edifícios, inclusive o Brasil (PBE Edifica), sendo que em 43 destes países há níveis mínimos compulsórios de eficiência energética. Além disso, na França, por exemplo, já há limites de emissão de CO2 por metro quadrado para edifícios, considerando tanto as emissões incorporadas nos edifícios (pelos materiais) quanto as emissões que ocorrem durante o uso ao longo da vida útil (50 anos) – para residências unifamiliares, o limite é de 700 kg CO2e/m² (UNEP, 2021).
Na Holanda e na Dinamarca também há limites máximos de impacto ambiental para aprovação de novos edifícios; e Finlândia e Suécia devem implementar esses limites em um futuro próximo. Na Áustria, alguns estados concedem subsídios a edifícios que apresentem baixos índices de CO2. Em Cingapura, empreendimentos com bom desempenho ambiental podem ter uma área construída até 15% superior ao previsto na lei de zoneamento.

Nas cidades de San Diego e Seattle (EUA), empreendimentos com bom desempenho ambiental têm um processo de aprovação acelerado
nas respectivas prefeituras (CNCA; ONE CLICK LCA, [s. d.]; ONE CLICK LCA, 2018; UNEP, 2021).
No Brasil, ainda não é possível estabelecer limites de emissão de CO2 para edifícios, pois não se tem um benchmark das edificações nacionais, calculado com base em uma amostra  representativa. Entretanto, alguns avanços têm ocorrido recentemente para possibilitar esse tipo de análise. Um marco importante foi o lançamento do Sistema de Informação do Desempenho Ambiental da Construção (Sidac), que disponibiliza indicadores de consumo de energia e emissão de CO2 de produtos de construção e de alguns insumos básicos, do berço ao portão da fábrica, com base em dados brasileiros verificados (MME; CBCS, 2022).

O Sidac pode ser acessado gratuitamente em https://sidac.org.br. Com os dados do Sidac, torna-se possível estimar as emissões das edificações brasileiras. Para que se tenha ideia da ordem de grandeza de uma habitação típica brasileira, apresentam-se os resultados de emissão de CO2 de uma habitação de interesse social de 3 dormitórios e 60 m², calculados pelo IPT com base nos dados do Sidac.
Consideraram-se os elementos que compõem as fundações, a estrutura e a envoltória da edificação: radier de concreto armado,
alvenaria de blocos  cerâmicos, laje de concreto e cobertura em telhas cerâmicas sobre estrutura de madeira. Para o  consumo de energia
durante o uso do edifício, adotaram-se valores médios nacionais e considerou-se uma vida útil de 50 anos. O resultado varia entre 245 e 292 kg CO2/m² de área construída – significativamente menor do que os limites estipulados na França, por exemplo, pois no Brasil consome-se menos energia durante o uso do edifício e a matriz elétrica é predominantemente renovável.
A Figura 1 mostra a contribuição das diferentes etapas do ciclo de vida para a pegada de carbono da edificação analisada (BELIZARIO-SILVA, 2022).
Figura 2 – Contribuição das diferentes etapas do ciclo de vida para as emissões de CO2 de um projeto de habitação de interesse social
unifamiliar térrea no Brasil.

Figura 2

Entretanto, a ausência de métricas para edifícios brasileiros não significa que os municípios não possam incentivar práticas que reduzam as emissões de CO2 dos edifícios desde já. Alguns exemplos de medidas que podem ser adotadas pelos municípios são:
• Incentivar a reforma e o retrofit de edifícios existentes, uma vez que a maior parte das emissões de CO2 da etapa de construção estão associadas à estrutura do edifício, que normalmente são preservadas em reformas (exceto em casos em que os edifícios já estejam muito deteriorados);
• Incentivar edifícios que tenham etiqueta de eficiência energética no âmbito do PBE Edifica, assim como edifícios que utilizem fontes de energia limpa (por exemplo, painéis fotovoltaicos ou aquecedores solares de água);
• Limitar a oferta de vagas de garagem em empreendimentos habitacionais e comerciais e promover o adensamento próximo à malha de transporte urbano (observação: adensamento não corresponde necessariamente à verticalização);
• Adotar o conceito de desempenho em códigos de obras, embasado pela norma brasileira ABNT NBR 15575 (Partes 1 a 6), ao invés de orientações prescritivas, pois isso possibilita a adoção de soluções construtivas inovadoras para reduzir o impacto ambiental das construções.

 

Referências
BELIZARIO-SILVA, F. Proposal of life cycle-based environmental performance indicators for decision-making in construction. 2022. 182f. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2022.
CNCA; ONE CLICK LCA. City policy framework for dramatically reducing embodied carbon. [S. l.]: CNCA, One Click LCA, [s. d.].IBGE. Estimativas de população – Tabela 6579 – População residente estimada. 2021. Available at: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/6579#resultado.
ICLEI. Quatro capitais  brasileiras concluem seus Planos de Ação Climática. 2020. Available at: https://americadosul.iclei.org/quatro-capitais-brasileiras-concluem-seus-planos-de-acao-climatica/.
IPCC. Summary for Policymakers.
Climate Change 2022: Mitigation of
Climate Change. New York: Cambridge University Press, 2022.
MME; CBCS. Sistema de Informação do Desempenho Ambiental
da Construção – versão 1.0.0. 2022.
Available at: https://sidac.org.br/.
ONE CLICK LCA. The embodied carbon review – embodied carbon reduction in 100+ regulations & rating
systems globally. [S. l.]: One Click
LCA Ltd, 2018. Available at: www.
embodiedcarbonreview.comwww.
embodiedcarbonreview.com.
SEEG. Sistema de Estimativa de
Emissões de Gases de Efeito Estufa.
2022. Available at: https://seeg.eco.
br/#.
UNEP. 2021 Global Status Report
for Buildings and Construction:
Towards a Zero-emission, Efficient
and Resilient Buildings and Construction Sector. Nairobi: UNEP, 2021


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